segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dados da Educação no Brasil.

A situação da educação no Brasil apresentou melhorias significativas na última década do século XX: houve queda substancial da taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, aumento regular da escolaridade média e da freqüência escolar (taxa de escolarização). No entanto, a situação da educação no Brasil ainda não é satisfatória, principalmente em algumas das cinco grandes regiões do país.

Veja nos gráficos que seguem as estatísticas educacionais produzidas pelo IBGE, mas antes, acompanhe no quadro abaixo a descrição sucinta do Sistema Educacional Brasileiro.
O Sistema Educacional Brasileiro
Educação infantil
destinada a crianças de 0 a 6 anos de idade. Compreende creche e pré-escola;
Ensino fundamental (1º Grau)
abrange a faixa etária de 7 a 14 anos e com duração de 8 anos. É obrigação do Estado garantir a universalidade da educação neste nível de ensino.
Ensino médio (2º Grau) e médio profissionalizante
Duração variável entre 3 e 4 anos;
Ensino superior
Compreende a graduação e a pós-graduação. Os cursos da graduação têm duração de 4 a 6 anos. Na pós-graduação, a duração varia de 2 a 4 anos, para os cursos de mestrado, e entre 4 a 6 anos, para o doutorado.
Além desses níveis, o sistema educacional atende aos alunos portadores de necessidades específicas, preferencialmente, na rede regular de ensino. Esse atendimento ocorre desde a educação infantil até os níveis mais elevados de ensino. Atende, também, ao jovem e ao adulto que não tenham seguido ou concluído a escolarização regular, na idade própria, através dos cursos e exames supletivos.
As pessoas de 14 anos de idade deveriam ter em média 8 anos de estudo, ou seja, terem terminado o ensino fundamental (completado a 8ª série). Porém, é somente na faixa entre 19 e 24 anos de idade que a média da população alcança 8 anos de estudo.
Acompanhe os resultados no gráfico abaixo:


Taxa de freqüência escolar

O Brasil chegou ao final do século XX com 96,9% das crianças de 7 a 14 anos de idade na escola. Entretanto, em 2002 apenas 36,5% das crianças de zero a seis anos de idade freqüentavam creche ou escola no país. O percentual ainda é menor se levarmos em conta as crianças de zero a 3 anos de idade. Destas, apenas 11,7% estão matriculadas em creche ou escola.

Na tabela abaixo, você encontra as proporções de crianças e jovens que freqüentam escola, segundo as faixas etárias, para o Brasil e as cinco grandes regiões:
Taxa de freqüência à escola ou creche da população residente
Total 0 a 6 anos 7 a 14 anos 15 a 17 anos
Brasil 31,7% 36,5% 96,9% 81,5%
Nordeste 35,5% 37,7% 95,8% 79,9%
Sudeste 29,2% 38,6% 97,8% 83,8%
Sul 29,3% 33,6% 97,9% 78,8%
Centro-Oeste 32,5% 30,7% 97,1% 80,3%
Fonte: Síntese de Indicadores Sociais 2003. IBGE TEEN

A teoria da escola dualista


Os franceses Roger Establet e Christian Baudelot escreveram em 1971, A escola capitalista na França sob a influência da teoria marxista.
Para Establet e Baudelot, se vivemos em uma sociedade dividida em classes, não é possível haver uma escola única. Esxistem na verdade duas escolas, diferentes quanto ao número de anos de escolaridade, aos itinerários, aos fins da educação. Duas escolas diferentes, opostas, heterogêneas, antagonistas. Chamadas de SS (secundária superior) e PP (primária profissional), correspondendo à divisão da sociedade em burguesia e proletariado.
A divisão das duas escolas não ocorre no fim da escolarização, mas desde o começo os filhos dos trabalhadores estão destinados a não atingir níveis superiores, encaminhando-se para atividades manuais. Desse modo se observa que a escola reafirma a divisão entre trabalho intelectual (rede SS) e trabalho manual (rede PP), já que nessa dicotomia repousa a possibilidade material de manutenção da estrutura capitalista. Fonte: Filosofia da Educação - Maria Lúcia de Arruda Aranha.

A escola como aparelho ideológico do Estado


No início da década de setenta, o filósofo francês Louis Althusser afirmou que a escola é um aparelho ideológico do Estado, causando com isso um verdadeiro furor entre os intelectuais da época. Alguns professores acordaram para a questão de serem peças num tabuleiro de jogo ideológico.

Os problemas educacionais estão no conceito de que a escola reproduz desigualdade social, na medida em que contribui para a reprodução da ideologia das classes dominantes e mesmo para a reprodução das próprias classes sociais.

A dominação de classe se dá em primeiro momento no econômico, é a luta histórica, que expressa na política, na luta ideológica e na hegemonia. O Estado usa os aparelhos ideológicos e reprodutores de ideologia, para manter a dominação sobre a classe menos favorecida. São concepções de mundo e crenças sedimentadas historicamente.

Para Althusser os aparelhos repressivos e ideológicos do Estado não se confundem,pois o repressivo, funciona através do emprego da força(violência), enquanto a ideologia é utilizada para os demais, como por exemplo: família, escola, igreja, judiciário,partidos políticos, sindicatos e outros. Faz uma distinção entre o poder do Estado e o aparelho do Estado, sendo o último o corpo das instituições que constituem o aparelho repressivo do Estado e o corpo de instituições que representam o corpo dos aparelhos ideológicos do Estado.

O papel do aparelho repressivo do Estado consiste em garantir pela força (física ou não) as condições políticas das reproduções das relações de produção, que são em última instância relações de explorações. O aparelho de Estado contribui para sua própria reprodução e também assegura pala repressão as condições políticas do exercício dos aparelhos ideológicos do Estado. A ideologia é uma “representação” da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Por isso, comumente se diz que a ideologia religiosa, moral, jurídica, política, etc. são “concepções de mundo”, ideologia = ilusão/alusão. Para o autor, a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos: só há ideologias pelos sujeitos e para os sujeitos, ela existe para sujeitos concretos.
Fonte: wikipedia.

Sugestão de leitura do livro As Belas Mentiras de
aria de Lourdes Chagas Deiró.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Como a escola reproduz as diferenças sociais?


Resenha de “A Reprodução” – por Ana Carolina Campos

“Em 1970, Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron publicaram o livro “A Reprodução”, resultado de uma ampla pesquisa baseada apenas em experiências sobre o sistema escolar da França (com foco no sistema universitário) e também sobre a seleção no momento de passagem para o ensino superior.


A REPRODUÇÃO
A obra analisa e critica o modo de ver e pensar da escola francesa, e também define a mesma como “o espaço da reprodução social e um eficiente dominio de legitimação das desigualdades” (BUSETTO, 2006, p.113) , ou seja, a escola é vista pelos autores como um local, uma instituição que reproduz a sociedade e seus valores e que efetiva e legaliza as desigualdades em todos os aspectos pois é na escola que o legado econômico da família transforma-se em capital cultural.
Nos primeiros capítulos, Bourdieu e Passeron defendem a idéia de que a escola não é neutra, não é justa, não promove a igualdade de oportunidades, e também não transmite da mesma forma determinados conhecimentos, pois é a cultura da classe dominante. A escola, ao tratar de maneira igual tanto em direitos quanto em deveres aqueles que são diferentes socialmente, acaba privilegiando os que por sua herança cultural já são privilegiados.
O terceiro capítulo da obra, chamado “eliminação e seleção”, descreve de forma crítica e analítica o exame na estrutura de ensino, sobretudo francês.
É a partir deste pensamento que os autores começam a caracterizar o exame como um intrumento de seleção, classificação, e tambem a mostrar seu peso e valor no ambiente escolar.
Segundo bourdieu e passeron, o exame impõe uma definição social do conhecimento e da maneira de manifestá-lo, ou seja, padroniza respostas e reações relacionadas a determinados conteúdos e limita de certa forma, o conhecimento e as capacidades adquiridas e desenvolvidas ao longo dos anos.
A escola utiliza o exame para selecionar os indivíduos tecnicamente mais competentes e os classifica desde os primeiros anos de vida escolar, colocando-os sob o status de nobreza escolar.
Já aqueles originários de classes populares, muitas vezes sao eliminados do sistema antes mesmo de serem examinados e avaliados, o que mostra o quanto as desigualdades sao fortes e influentes no ingresso e êxito escolar do indivíduo.
Neste ponto, os autores utilizam os termos probabilidade de passagem e probabilidade de êxito para ressaltar o quanto as diferenças culturais podem intervir na vida e no sucesso escolar de determinada pessoa. Aqueles que vieram ou passaram por uma estrutura social pobre em condições básicas de sobrevivência e informação de qualidade, tem chances menores de obter êxito escolar e ingressar no ensino superior.
Os que conseguem, tendem a começar a reproduzir tudo aquilo que aprenderam no sistema social em que estavam inseridos e acabam, muitas vezes, recebendo o diploma sem ter desenvolvido as competências básicas exigidas pelo sistema escolar.
O exame nao pode ser reduzido a apenas um serviço ou uma prática escolar , pois ele determina a vida do sujeito em todos os aspectos, e sua supervalorização é resultado do sistema de oportunidades em que a sociedade contemporânea está baseada, uma falsa estrutura de igualdade social regida pela hierarquia dos êxitos escolares.

Nascemos numa sociedade já pensada.


Durkheim e a educação -Maria de Lourdes Rangel Tura

Apresenta o pensamento de Durkheim, localizado em seu tempo e espaç
o, e dirige o foco para sua abordagem da educação como objeto de estudo da sociologia. Seu esforço de indagar sobre as origens e as funções do fato educativo abriu, como ele mesmo definiu, uma nova uma nova divisão neste campo de estudos: a Sociologia da Educação.

Enfim, o que propõem é trazer a originalidade de muitas de suas reflexões sobre o social e o olhar desse autor para a sociedade em que viveu. Olhar que traz o filtro de suas posições com relação à ciência, à sociedade e ao momento histórico que presenciou. Olhar pautado por suas preocupações e buscas de soluções para os problemas sociais de seu tempo.

1 - Durkheim e seu tempo


Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858 em Epinal, na Loraine, fronteira nordeste da França, filho de uma família de rabinos.

Acreditava na importância da sociedade como lugar central e irradiador dos valores éticos de uma época. Acreditava que a regulação, realizada no campo social, poderia conter muito dos excessos e desvios da sociedade em que vivia.

Durkheim estava, nesse momento, especialmente preocupado com duas questões: o crescente individualismo que a nova ordem social propiciava e a necessidade de fortalecer a educação moral da juventude, como estratégia de contenção dos individualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados nas instâncias da interação social. Era necessário pôr muita coisa em ordem e este valor estava fortemente arraigado em sua sociologia.

Posto que nascemos no interior de uma sociedade organizada, estruturada de acordo com uma lógica de posições e regulação, com valores, normas e costumes instituídos, numa sociedade já pensada, elaborada, constituída, pode-se aquilatar o quanto ela impõe sobre nós o estabelecido. Durkheim põe aí a cunha de sua observação para afirmar que o fato social deve ser entendido como tendo existência exterior aos indivíduos. É certo que a sociedade não pode existir sem as pessoas, que lhe dão substrato, contudo o todo social não é a soma de suas partes. É nesse sentido que Durkheim dizia, se referindo à organização escolar:

Cada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ela seja conduzida como tal - não como se fosse uma simples aglomeração de indivíduos independentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, sentem, agem de modo diverso do que quando estejam isoladas (ES, p. 74).

Quando os indivíduos deixam de estar isolados e se associam, se produzem transformações que redundam em uma organização de outra natureza, diferente da psicológica. Há, pois, uma especificidade, uma dimensão própria do fato social.
O fato social é "toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior" (RM, p. 11) e a regra primeira para sua observação é considerá-lo como coisa. Envolvê-lo de prenoções, preconceitos, paixões e conceitos formulados em diferentes campos da reflexão humana afasta a possibilidade de tê-lo como um dado - na qualidade de data - que se constitui como ponto de partida para a explicação sociológica. Por isso, é preciso entendê-lo em sua exterioridade e objetividade, que são atributos próprios de sua natureza. A exterioridade do fato social determina a possibilidade de tê-lo como objeto de observação, de percebê-lo nas pistas que deixa evidentes e em seus sinais visíveis.
Os fatos sociais se constituíram a partir de causas externas, que se processaram no concurso de grupos em interação, na pluralidade de consciências e como obra coletiva e que, por isso, têm ascendência sobre os indivíduos.

Para conhecê-los cientificamente é necessário que se utilize criteriosamente o método científico e se vão realizando procedimentos ligados à observação, à experimentação, à análise do tempo histórico e social de constituição dos fenômenos sociais. Dessa forma, se está intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determina formas de ver, sentir e pensar, que são forjadoras de símbolos que se imbricam na consciência coletiva e produzem representações coletivas.

Assim, é possível escapar da sensação de um conjunto confuso de sociedades históricas e encontrar unidades reunidas em uma tipologia, que condensa semelhanças e diversidades. No estudo histórico comparativo interessa aprender as características comuns, o que é possível de se realizar pela observação, definição dos termos, análise e categorização. O cuidado com a observação criteriosa e a descrição minuciosa dos fatos possibilitará se constituir tipos de educação, tipos de religião, tipos de família etc. em "sociedades da mesma espécie" e alcançar a explicação das condições necessárias para a constituição das propriedades características de uma instituição e como umas derivam das outras. Ou seja, para que os fatos observados possam ser classificados faz-se necessário que se tenha especial interesse pêlos aspectos que indicam certa homogeneidade e regularidade.

ssim, o esforço da sociologia da educação é no sentido de refletir sobre os processos da ação educativa no intento de conhecê-los, explicá-los e exprimir a sua natureza, o que deve ser acompanhado pela observação histórica do seu processo evolutivo.
O conhecer a sociedade em que se vive e as suas necessidades é essencial para que se possa estar ciente do que nos cerca, dos movimentos que conduzem o mundo e a cada um de nós e, tendo por base o conhecimento científico da sociedade e da educação, é possível encontrar caminhos para a tomada de decisões ou as reformas sociais. No dizer de Durkheim:

Pode-se, pois, esperar que a sociologia, ciência das instituições, nos auxilie a compreender melhor o que são as instituições pedagógicas e a conjeturar o que devam ser elas, para melhor resultado do próprio trabalho (ES, p. 88).

Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos (ES, p. 40).

O que está sendo, então, destacado é que o ser humano não tem uma natureza fixa e imutável. Pela observação histórica, Durkheim analisou diferentes realidades sociais e, para exemplificar a partir do que interessa mais precisamente a esse estudo, vale destacar seu magnífico estudo sobre a evolução pedagógica na França (EP), onde se verifica que a prática educativa acompanhou as transformações sociais que foram sendo forjadas lentamente e no bojo dessas mudanças uma nova concepção de homem e sociedade se produziu. Assim, nas mudanças de estruturas sociais que se operaram nas instituições da Idade Média e a fizeram transitar para a Renascença e a Idade Moderna, uma nova concepção de homem e de seu lugar no mundo surgiu. Como disse Durkheim:

Essa noção de Escola... só podia nascer quando se formaram povos para os quais a verdadeira marca da cultura humana consiste não na aquisição de certas práticas e costumes mentais dados, mas sim numa orientação geral da mente e da vontade; isso é quando os povos tinham alcançado um grau suficiente de idealismo (EP, p. 36).

Durkheim entende que o indivíduo é o substrato do social, porém esse mesmo social se impõe sobre ele porque o precede e o sucede e porque é do social, de suas tendências e necessidades que ele extrai sua natureza e suas formas de ser e fazer.

Na explicação dessa dinâmica, afirmou que em cada indivíduo subsistem dois seres: o ser individual c o ser social. O ser individual é constituído dos estados mentais que se relacionam apenas consigo mesmo e com os acontecimentos de sua vida pessoal. Esse ser é mais primitivo no homem e possui uma natureza egoísta e associai. O ser social é "constituído de um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os diferentes grupos dos quais fazemos parte" (ES, p. 41-2). O ser social não nasce com o homem, ele terá que ser criado. Nesse sentido, o homem ao nascer é uma tabula rasa. O ser humano não está predestinado a assumir qualquer característica ou disposição. Ele não é, pois, fruto de um desenvolvimento espontâneo e natural. "Não há nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade" (ES, p. 42). É a vida em sociedade, a convivência com o seu grupo, as diferentes formas de comunicação social e associação que irão progressivamente fazer com que o indivíduo internalize um conjunto de maneiras de ser, pensar e agir que são próprias de seu meio e o indivíduo irá se conformar por elas pelo que trazem de vantagens e de valor na constituição de sua humanidade, pois que, sem o arcabouço social, o homem "retornaria à condição de animal" (ES, p. 46). Se faltar ao indivíduo todo o patrimônio de conhecimentos acumulados, da ciência produzida, dos sistemas de classificações, de idéias, de fórmulas, de valores, de técnicas e, especialmente, a linguagem própria do grupo, ele não poderá sobreviver como ser humano. Tudo isso resulta da cooperação, do aproveitamento da experiência, do legado de cada geração que é conservado c que produzem atributos humanos comuns. Assim. Durkheim não vê oposição entre sociedade e indivíduo, pois uma idéia depende da outra, a grandeza de um é a grandeza do outro.

É neste contexto que Durkheim define a liberdade - ideal tão caro ao homem moderno - como "filha da autoridade bem compreendida" (ES, p. 56). É assim que entende a autonomia relativa do ser social. Ou seja, só quando o indivíduo é introduzido a um sistema de regras, direitos e deveres que tem assegurada sua liberdade. Caso contrário, estaria exposto às desordens e anomalias de toda espécie.

Durkheim afirmou que a educação é um fato social e, portanto, objeto dos estudos sociológicos. Sua externalidade se evidencia quando se verifica que suas idéias, valores, costumes, regras, normas, conteúdos e sentimentos são coisas distintas das pessoas que os internalizam. São realidades por si mesmas e possuem natureza própria, que se impõem sobre os indivíduos, e podem ser observadas no interior de instituições pedagógicas. A investigação científica irá buscar compreendê-las, explicar seu funcionamento e conjeturar o que elas deveriam ser para alcançar melhores resultados, tendo em vista os fins sociais da educação.
No processo de explicação sociológica, deve haver o cuidado de não se falar na sociedade num sentido genérico, mas em sociedades, que podem ser classificadas em diferentes espécies, como os vegetais e os animais


No estudo do contexto histórico em que se deu a lenta e progressiva constituição do sistema educativo, Durkheim tomou por base a constatação de que mesmo nas sociedades mais simples se instituíram práticas educativas para transmitir às crianças e aos jovens seus conhecimentos acumulados, normas, costumes, valores e histórias do grupo. Isto confere a este sistema um caráter comum - social - e essencial.
Dessa constatação decorrem muitas outras. Primeiramente, não há uma educação única e universal, apropriada a todos os indivíduos indistintamente. Na observação histórica o que se distingue é que a educação tem variado com o tempo e o meio. Com isto se põe em cheque a tradição de analisar a educação como um ideal abstraio e único, dirigida a "uma natureza humana cujas formas e propriedades seriam determinadas uma vez por todas" (ES, p. 75). O próprio Durkheim destacou seguidamente a novidade de sua abordagem que se contrapunha à tendência de se entender a educação como fenômeno eminentemente individual
.

2. A definição de educação

As práticas educativas não devem ser entendidas como isoladas de outras práticas sociais, posto que, apesar da relativa autonomia de cada sistema social, eles são sempre partes de um todo com o qual se integram na consecução de um fim comum.

A educação deve ser também entendida como uma instituição social. Isso é melhor compreendido quando se observa que as características básicas de uma instituição social são encontradas nas instituições pedagógicas: a existência de regras socialmente partilhadas, as recompensas e os castigos, os deveres e os direitos daqueles que se beneficiam dela. As práticas pedagógicas não são, pois, fruto de decisões arbitrárias oriundas da vontade de um educador, mas, ao contrário, estão fortemente determinadas por uma estrutura social e, por isso, seu movimento evolutivo se dá de forma coerente com a constituição e as necessidades do organismo social. Nesse sentido, todo e qualquer sistema educativo é um produto histórico e só através da análise histórica se pode entender e explicar por que, em cada momento, em cada sociedade há um tipo regulador de educação, que se expressa em tendências, fórmulas, padrões que se impõem sobre os indivíduos e que são solidários e coerentes com o conjunto de atividades e instituições da sociedade. Com efeito, a mudança no campo da educação não se dá sem resistências e, principalmente, ocorre no bojo de outras transformações estruturais da sociedade.

Enfim, no esforço de distinguir o caráter e a natureza da educação, Durkheim a definiu como:

A ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine (ES, p. 41).

Numa mesma sociedade, o indivíduo irá inserir-se em diferentes meios sociais, que correspondem às especificidades da função social de cada um. A educação varia "com as classes sociais e até mesmo com o habitat" (ES, p. 76), destacou Durkheim. Nos países mais modernos, como foi visto, há uma tendência à especialização e diversificação do trabalho, que é própria da evolução das sociedades que se tornam cada vez mais complexas e que para se manterem necessitam dividir o trabalho. Cada profissão se constitui como um meio próprio e particular que se organiza em torno de um conjunto de idéias, costumes, práticas, maneiras de ver as coisas, aptidões a serem desenvolvidas, valores e conhecimentos específicos que precisam ser internalizados no jovem para que este possa estar preparado para a realização de uma determinada função essencial à sua integração produtiva na sociedade. Isso exige que o aprendizado da profissão seja cada vez mais precoce e diversificado.

Mas o aspecto múltiplo da educação não a constitui como um todo, há em toda sociedade uma base comum de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar em todas as crianças. Na visão durkheimiana, a sociedade precisa que entre os seus membros exista um certo grau de homogeneidade e de similitudes que são essenciais à vida coletiva. No processo evolutivo da história foram se constituindo um patrimônio de idéias acerca da natureza humana, os direitos e os deveres, o progresso, a ciência e as artes que são a base do "espírito nacional" e devem ser fixados na consciência dos educandos.

O professor é um transmissor de saberes - oriundos das ciências físicas e biológicas, da história, dos conhecimentos literários e estéticos, das crenças e costumes - valorizados e essenciais à continuidade societária. É um agente da formação integral dos alunos e, por isso, tendo o domínio das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo, pode criar as condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a importante função social do mestre, de contribuição essencial para a formação de futuros cidadãos.

3.Os fins da educação

Os fins da educação variam com os estados sociais, com as diversas espécies de sociedade, com os diferentes tempos e situações históricas. Eles estão diretamente relacionados com as necessidades sociais de um tempo e lugar. Assim, é a coletividade que impõe os fins da ação educativa. Ela que exerce sobre os educadores uma pressão moral no sentido de desenvolver nos educandos as qualidades comuns do grupo social e seus ideais coletivos.

Nas sociedades modernas, o esforço de alcançar o consenso tornou-se progressivamente um objetivo maior da educação, posto que a heterogeneidade crescente da vida social e da divisão do trabalho vão particularizando muito as relações sociais. Os fins da educação, então, estão fortemente relacionados com a manutenção do que é comum à coletividade e com a constituição de mecanismos que possibilitem garantir a continuidade societária e a manutenção de estruturas sociais que representem as formas de assegurar as condições sociais de existência da própria sociedade. Por isso, a prática pedagógica deve buscar a integração dos indivíduos na organização social e sua disponibilidade para responder às expectativas dos diferentes meios sociais com os quais irá conviver.

Para que isso se realize é necessário que a ação educativa não seja apenas o aperfeiçoamento de dons inatos, mas que acrescente algo ao ser imaturo que é a criança. É preciso que a educação crie ao homem um ser novo: o ser social.

A tarefa por excelência da educação é, pois, criar no homem um ser novo, que irá, com o seu grupo, partilhar de crenças religiosas, práticas morais, tradições nacionais e profissionais e opiniões coletivas de toda espécie.

A constituição do ser social, que se contrapõe à idéia de um desenvolvimento espontâneo e de uma natureza humana universal e imutável, se realiza através do processo de socialização. Por esse processo de aprendizagem social se dá a interiorização do conjunto de maneiras de ser, sentir, pensar e agir próprios do meio social em que se vive, o que é essencial para a integração social do indivíduo.

A educação, de acordo com a concepção durkheimiana, realiza a "socialização metódica", assim definida porque está institucionalizada, tem objetivos próprios e funções sociais bem definidas, o que inclui controlar e limitar o desenvolvimento humano, assim como decidir sobre coisas mais imediatas como a seleção de conteúdos para o ensino. São situações que se instituíram historicamente e seguem um protocolo de tradições grupais.

Outro importante fim da educação, que ganha relevo especial nas sociedades modernas, é a educação moral que será tratada a seguir.

4 - A educação moral

A ordem moral é, na visão durkheimiana, um fato social exterior ao indivíduo e tem a função de regulação social. Função esta que não pode ser conferida a nenhum outro subsistema social e que resulta de necessidades advindas da vida em comum. Durkheim disse que "se há hoje verdade histórica estabelecida é de que a moral está estritamente relacionada com a natureza das sociedades" (ES, p. 45), o que inclui afirmar que ela muda quando as sociedades mudam. Ou seja, como fato social, as necessidades morais estão vinculadas a uma determinada ordem social, por isso não se pode falar de uma moral única e universal, mas em diferentes sistemas morais no interior de diferentes espécies de sociedade, dando a essa afirmação um sentido histórico, diacrônico.

A moral envolve a noção de autoridade - advinda de sua ascendência sobre nós - e a noção de disciplina ou o "espírito de disciplina", que deve apoiar a regulamentação da conduta. Esta é a razão pela qual durante tantos séculos se acreditou que as determinações morais emanavam de uma divindade.

A função social da
moral é, pois, essencialmente, regular a conduta humana, dando limites aos desejos e às paixões. Para o indivíduo é cada vez mais difícil encontrar esses limites e, por isso, é necessário que eles venham de uma força exterior - de um regime à parte - para que ele possa entrar em harmonia com suas faculdades. Durkheim comparou a educação em sociedades mais simples -apropriando-se de estudos antropológicos feitos junto a tribos indígenas americanas e de estudos históricos - com aquela realizada nas sociedades européias contemporâneas para concluir que a educação é necessariamente mais austera entre os povos civilizados do que entre os "primitivos", que têm uma vida mais simples. Nas sociedades modernas não é mais possível deixar que a criança busque mais espontaneamente o que precisa aprender para se preparar para sua vida futura. Ao contrário, a criança irá precisar de ser submetida a alguma coerção para que adquira o espírito do trabalho e do esforço necessário à vida moderna. Para Durkheim, se devia estar atento às necessidades morais uma vez que a sociedade de seu tempo convivia com a tensão social e a eminência de eclosão de novos conflitos sociais. A autoridade é essencial, ele dizia, para "conter as forças rebeldes" (RM, p. 36).

A idéia da autoridade neste contexto aproxima a análise da questão do poder, que aparece em outros textos de Durkheim em referências mais indiretas e imbricadas com as necessidades sociais. O mestre se apresenta como uma figura de poder. Poder que lhe é conferido pela importância de sua missão formadora junto aos alunos. "Da mesma forma que o padre é o intérprete de Deus, ele é o intérprete das grandes idéias morais de seu tempo e de seu país" (EM, p. 117). A questão do poder inerente à ação docente aparece, então, explicitamente enunciada na analogia que ele fez entre a relação professor-aluno e a relação que se estabelece entre grupos de cultura desigual na situação da colonização. Neste sentido afirma que a dominação é inevitável. Esta constatação, contudo, esbarra em obstáculos éticos. "Há na vida escolar qualquer coisa que induz à disciplina violenta" (EM, p. 121), preocupou-se Durkheim.

A educação moral é, então, a forma de conferir ao cidadão o gosto pela vida em coletividade, de criar o costume de pensar em agir em comunhão com os seus concidadãos.TURA, Maria de Lourdes Rangel. “Durkheim e a Educação”. In:_____. (Org.). Sociologia para Educadores. Rio de Janeiro:Quartet, 2002, pp. 25.62.